Neste
tópico, tentaremos esclarecer , sem pretensões, as diferenças
entre os termos decadência e prescrição, dando ênfase a sua
aplicação às multas de trânsito. Apesar de aparentarem certa
similaridade os institutos são , tecnicamente e juridicamente,
diferentes, afetando de forma diversa as multas aplicadas pelos
órgãos executivos de trânsito.
Assim,
inicialmente cabe diferenciar os conceitos de infração e sanção
administrativa.
Em
que pese serem institutos com finalidades distintas, estão
intrinsecamente vinculados.
O
primeiro termo refere-se à conduta do sujeito passivo à
fiscalização (condutor); o segundo refere-se à imputação de um
encargo (ônus) pela Administração ao administrado em razão do
desatendimento de determinada previsão normativa.
Assim
ensina a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Infração
administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma
administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é
decidida por uma autoridade administrativa – ainda que não
necessariamente aplicada nesta esfera.
Sanção
administrativa é a providência gravosa prevista em caso de
incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição
é da alçada da própria Administração” (Celso Antônio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo. 17ª Edição. Malheiros,
págs. 744/745)
Essa
diferenciação é necessária posto que a prescrição, não incide
sobre a sanção administrativa, mas sobre a possibilidade de
a Administração punir o infrator da norma.
E,
por sua vez, incide sobre o prazo legal à disposição do poder
público para apurar e constituir as sanções pecuniárias (multas)
impostas aos infratores em razão do exercício do poder de polícia,
e difere do prazo legal para a Administração efetuar a respectiva
cobrança dos créditos.
No
âmbito do direito tributário, a matéria encontra-se
suficientemente regulada, já que a Fazenda Pública detém cinco
anos para constituir o crédito tributário e cinco anos para
cobrá-lo.
Perante
o Código Tributário Nacional, o marco inicial da atividade estatal
no sentido da exigibilidade de determinado crédito devido é a
realização do fato gerador, e se aqui estivéssemos tratando de
tributos, seria aquele previsto no CTN em seu artigo 173 e 174 do
Código Tributário Nacional nos seguintes termos:
“Art.
173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário
extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I
- do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido efetuado;
II
- da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado,
por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo
único. O direito a que se refere este artigo extingue-se
definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data
em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário
pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida
preparatória indispensável ao lançamento.
Art.
174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em
cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”
Assim,
quando tratamos do direito tributário a Fazenda Pública detém
cinco anos para constituir (promover o lançamento) o crédito
tributário e cinco anos para cobrá-lo.
No
entanto, no que diz respeito aos créditos não tributários, durante
muitos anos a jurisprudência e a doutrina divergiam na interpretação
e aplicação dos prazos prescricionais dos créditos provenientes de
infrações administrativas, sendo que em 30 de junho de 1998, a
Medida Provisória nº 1.708, veio para sanar dúvidas, tendo sido
convertida na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999.
A
partir daí foi conferido à Administração Pública Federal, direta
e indireta o prazo de cinco anos para apurar infrações
decorrentes de descumprimento de legislação em vigor, vejamos:
“Art.
1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração
Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de
polícia, objetivando apurar infração à legislação em
vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.” grifo nosso
Nestes
casos estão incluías as infrações de trânsito aplicadas pelos
órgãos executivos rodoviários. Então vamos as diferenças entre
decadência e prescrição.
DECADÊNCIA
DAS MULTAS DE TRÂNSITO
A
decadência no âmbito civil, encontra-se definida no Código Civil
no artigo 210 e, no Art. 281, II do CTB.
A
decadência refere-se a extinção de um direito por não
ter sido exercido no prazo legal, ou seja, se o sujeito titular
de um direito não respeitar o prazo fixado por lei para o seu
exercício, perderá o direito de exercê-lo.
Assim,
em outras palavras é a perda do próprio direito pela inércia do
titular.
No
caso das multas de trânsito, o Código de Trânsito, é claro ao
estabelecer que a autoridade autuadora deverá notificar o infrator
no prazo de 30 (trinta) dias contados da infração.
“Art.
281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência
estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará
a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade
cabível.
Parágrafo
único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado
insubsistente:
I
- se considerado inconsistente ou irregular;
II
- se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a
notificação da autuação. (Redação
dada pela Lei nº 9.602, de 21.1.1998)”
Veja
que caso a notificação não ocorra neste prazo (30 dias), o órgão
autuador decairá (perderá) o direito de fazê-lo, devendo
promover o arquivamento do procedimento.
Decairá
de promover a penalidade, também, se forem encontradas
inconsistências no auto de infração. Registre-se que AUTO
(notificação) DE INFRAÇÃO difere de AUTO (notificação) DE
PENALIDADE
Ou
seja, o Código de Trânsito discorre sobre a DECADÊNCIA no caso
das multas de trânsito, cabendo à própria administração cancelar
o procedimento apuratório, na ocorrência do disposto no artigo
supra citado.
A
decadência deve ser reconhecida, de ofício pelo órgão executivo, NÃO GERANDO PENALIDADE,
o que não impede que o proprietário do veículo ou condutor,
requeiram o seu reconhecimento, caso venham, indevidamente, receber
a notificação de infração após o período de 30 dias do fato
gerador.
E
para que não pairem dúvidas sobre as causas da decadência, além
da falta de notificação anterior a 30 dias do fato gerador, o CTB
estabeleceu de forma clara quais as inconsistências que devem ser
observadas pelo administrador público.
Considerar-se-á
inconsistente , o auto de infração que não preencha as condições
de correta identificação:
“Art.
280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito,
lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I
- tipificação da infração;
II
- local, data e hora do cometimento da infração;
III
- caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e
espécie, e outros elementos julgados necessários à sua
identificação;
IV
- o prontuário do condutor, sempre que possível;
V
- identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente
autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI
- assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como
notificação do cometimento da infração.”
Veja que não há exigência de fotografia.
A infração deverá será constatada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade - Agente de Trânsito (servidor público), por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.
A infração deverá será constatada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade - Agente de Trânsito (servidor público), por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.
Assim
a autoridade responsável pelo órgão executivo de trânsito somente
poderá emitir o auto de notificação de infração, e em especial o
auto de penalidade se estiverem preenchidos os requisitos válidos,
cabendo-lhe reconhecer – de oficio – a ausência e a
insubsistência da infração. Passada tal análise terá o prazo de
30 (trinta) dias para expedir ao infrator a devida notificação de infração , sob
pena de decair do direito de fazê-lo.
A partir daí terá o infrator o prazo de 30 dias para recorrer ou indicar o real infrator. Iniciando-se os prazos para a dupla notificação - infração e penalidade.
"Ementa: AGRAVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. MULTA. CONDUTOR. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. PRAZO PARA A DEFESA. PROCESSO. DECADÊNCIA. 1. A notificação da autuação pela prática de infração ao trânsito exaure-se com a assinatura do auto de infração (a) pelo condutor/proprietário e (b) pelo condutor/não proprietário na hipótese de infração decorrente de atos praticados na direção do veículo. 2. É nula a multa de trânsito aplicada antes de decorrido o prazo para apresentação da defesa. 3. Sem a notificação para a defesa do infrator de trânsito, no prazo de trinta dias, a contar da autuação, opera-se a decadência do direito de punir da Administração Pública. Jurisprudência do STJ. 4. O abuso do direito de recorrer configura litigância de má-fé. Recurso desprovido. (Agravo Nº 70054514997, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 16/05/2013) "
A partir daí terá o infrator o prazo de 30 dias para recorrer ou indicar o real infrator. Iniciando-se os prazos para a dupla notificação - infração e penalidade.
"Ementa: AGRAVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. MULTA. CONDUTOR. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. PRAZO PARA A DEFESA. PROCESSO. DECADÊNCIA. 1. A notificação da autuação pela prática de infração ao trânsito exaure-se com a assinatura do auto de infração (a) pelo condutor/proprietário e (b) pelo condutor/não proprietário na hipótese de infração decorrente de atos praticados na direção do veículo. 2. É nula a multa de trânsito aplicada antes de decorrido o prazo para apresentação da defesa. 3. Sem a notificação para a defesa do infrator de trânsito, no prazo de trinta dias, a contar da autuação, opera-se a decadência do direito de punir da Administração Pública. Jurisprudência do STJ. 4. O abuso do direito de recorrer configura litigância de má-fé. Recurso desprovido. (Agravo Nº 70054514997, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 16/05/2013) "
Difere,
portanto, dos atos decorrentes do direito tributário, onde a
decadência é a extinção do direito do Fisco em constituir um
crédito tributário passados 5 (cinco) anos da data que a decisão
anulatória por vício formal do lançamento anteriormente efetuado
torna-se definitiva, ou então a contar do primeiro dia do exercício
seguinte àquele que poderia ter sido efetuado o lançamento.
(Arts.
37, 269, IV, 295, IV, 810 e 811, IV do CPC Arts. 119, parágrafo
único, 178, 207 a 211, 446, 501, parágrafo único, 504, 745, 754 e
1.194 do CC Art. 38, parágrafo único, do CPP Arts. 103 e 107, IV do
CP)
PRESCRIÇÃO
DA MULTA DE TRÂNSITO
De
outra forma, o
instituto da
PRESCRIÇÃO atinge o direito das pessoas, posto que esta ocorre
devido à inércia de seu
titular/administração
durante um certo lapso de tempo.
Todos
os autores apontam que uma das características da prescrição é a
NECESSIDADE de que o titular do direito tenha dado início
exercício de seu direito, de forma válida, ou seja, no caso da
multa de trânsito, tenha emitido a notificação de infração no
prazo legal (30 dias). Esta notificação de infração, deve ter
passado pelo crivo do administrador que certamente verificou o
cumprimento dos requisitos mínimos dispostos no Art. 280 do CTB.
Veja
que no caso da decadência, o direito é extinto antes de tornar-se
efetivo pelo exercício, impedindo, desse modo, o nascimento da ação.
No
caso do Código de Trânsito, diferentemente da decadência, a
autoridade coatora, não possui liberalidade para declarar a
prescrição, que deverá ser requerida pelo autuado (interessado),
em seu recurso administrativo, quando dirigir-se à autoridade de trânsito ou à JARI.
A
prescrição somente ocorrerá caso tenha decorrido o prazo de 05
anos da notificação da infração, sem que a autoridade coatora
tenha adotado providências para promover a inscrição da multa em dívida ativa ou a sua cobrança judicial.
Mas
é necessário verificar, se no decorrer deste prazo quinquenal não
ocorreu uma das causas de interrupção da prescrição.
São
causas para a interrupção da prescrição:
a)
a apresentação de recurso à autoridade coatora
b)
a decisão em última instância (Centran)
c)
a propositura de ação judicial pela autoridade.
E
não menos importante, as causas de extinção da prescrição
caracterizada pelo pagamento da multa. O pagamento impede o
reconhecimento, pela Administração, da possível prescrição, pois
o pagamento é o reconhecimento, pelo infrator, de sua
responsabilidade sobre o fato gerador.
Necessário
observar que o Art. 286 do CTB estabelece que reconhecida a
improcedência da multa, caso tenha ocorrido o pagamento e
apresentado recurso, ser-lhe-á devolvido o valor. Aqui não há o
instituto da prescrição e sim a invalidação de um ato
administrativo que desde o início deveria ter sido reconhecido pelo
Administrador, ou seja faltou o Administrador com o dever de promover
o saneamento, a correta apuração da infração, restando-lhe
reconhecer o erro, ainda que de forma tardia.
“Art.
286. O recurso contra a imposição de multa poderá ser interposto
no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor.
§
1º No caso de não provimento do recurso, aplicar-se-á o
estabelecido no parágrafo único do art. 284.
§
2º Se o infrator recolher o valor da multa e apresentar recurso, se
julgada improcedente a penalidade, ser-lhe-á devolvida a importância
paga, atualizada em UFIR ou por índice legal de correção dos
débitos fiscais.”
Na
prescrição, o ato praticado pela Autoridade é válido, eficaz, mas
decorrido o prazo de 5 anos para sua cobrança, ou para a sua
inscrição em dívida ativa e promoção da competente ação
judicial, a Administração quedou-se inerte.
A
prescrição poderá ser interrompida uma única vez, cujo prazo
recomeçará a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a
interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo. (Art. 8
e 9 do Decreto 20.910/32).
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO. MULTA DE TRÂNSITO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL DE 5 (CINCO) ANOS PREVISTO NO DECRETO N. 20.901/32. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO UMA ÚNICA VEZ. PRESCRIÇÃO QUE VOLTA A CORRER PELA METADE DO PRAZO (DOIS ANOS E MEIO). AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO EM MOMENTO POSTERIOR AO DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Ao contrário dos impostos e taxas, que possuem natureza jurídica tributária, as multas de trânsito se constituem em sanções por atos ilícitos praticados por condutores ou proprietários de veículos, pelo que contam com nítida natureza administrativa. 2. Tratando-se de crédito não-tributário, a regra da prescrição é regida pelo Decreto Federal nº. 20.901/32, que prevê em seu art. 1º que: "as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem". 3. Ainda de acordo com Decreto Federal nº. 20.901/32, a prescrição somente poderá ser interrompida uma única vez, recomeçando a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo. 4. In casu, sendo certo que, desde o término do primeiro parcelamento, ocorrido ainda em 2005, contava o credor com o prazo de dois anos e meio para o ajuizamento da execução fiscal, o que somente se deu em maio de 2011, imperiosos o reconhecimento da prescrição e confirmação da extinção da execução fiscal em relação ao crédito referente ao ano de 2003, tendo em vista que a hipótese do artigo 8º , § 2º , da Lei n. 6.830 /80, apenas se deu em agosto de 2011. 5. Recurso não provido.
Assim,
resumidamente temos:
DECADÊNCIA
-
não é suspensa nem interrompida, e só é impedida pelo exercício
do direito. O
prazo de decadência pode ser estabelecido por lei, ou vontade
unilateral ou ainda bilateral, uma vez
que se tem em vista o exercício do direito pelo seu titular; a
decadência opera contra todos; pressupõe ação cuja origem é
idêntica à do direito, sendo por isso simultâneo o nascimento de
ambos; a decadência deve ser reconhecida de ofício pelo juiz
e independe de arguição ao interessado.
PRESCRIÇÃO
-
pode ser suspensa ou interrompida pelas causas expressamente
previstas em lei; o prazo da prescrição é fixado por lei para o
exercício da ação que o protege; pressupõe ação cuja origem é
distinta do direito, sendo também posterior ao nascimento de
determinado direito; não pode ser decretada de ofício, dependendo
sempre de alegação do interessado; a prescrição admite renúncia
por parte
do interessado, depois de consumada. A decadência, não pode ter
renúncia sob qualquer aspecto; a prescrição NÃO
opera contra todos ,tem
algumas exceções, previstas nos artigos 197 a 201 do Código Civil.